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Desigualdade Pessoal e Desigualdade Social


Este é um tema espinhoso e delicado, pois trata-se de aceitar que as pessoas são diferentes, grupos e coletividades são diferentes. Mas, desigualmente diferentes. Alguns são mais dotados que os outros, grupos são superiores a outros e coletividades são também desigualmente diferentes.

Somos educados a compartilhar um certo ideal de igualdade entre os seres humanos. Mas, de que igualdade trata-se na realidade? Um bom exemplo é o de que diante da lei somos todos iguais. Aprendemos que a lei, em princípio, vale para todos, independentemente de classe social, credos, religião e assim por diante. Sabemos que o esforço para que isso ocorra é um desafio de monta, pois os menos privilegiados econômica e socialmente frequentemente correm o risco de não serem julgados de maneira justa e igual.

A desigualdade existe e, como diz Dejours, “a equidade e a justiça tem por objetivo a compensação – ou a atenuação – dos efeitos nocivos, mas não o de vencer a desigualdade”.

Não nascemos iguais biologicamente, psicologicamente e socialmente. Uma coisa é nascer numa família de classe média para a alta para não dizer abastada; outra é nascer em famílias menos favorecidas. Além de nascermos diferentes, a nossa trajetória na vida vai ser determinada pelas condições objetivas e subjetivas da família que nos cuidam. Desde a alimentação, cuidados médicos, educação, acesso à cultura e ao lazer, acesso aos dispositivos sociais como locomoção, transporte, trabalho e assim por diante, são desigualmente dispostos.

E, segundo a psicanálise, psiquicamente estabelecemos com todos que nos cercam, até mesmo de quem nos cuida desde o nascimento, uma relação não só consciente, mas também no âmbito inconsciente. Nesse sentido, não há nada mais singular do que o inconsciente de cada um.

Olhando agora para o interior das organizações do trabalho, observamos a presença desta desigualdade. Certas atividades serão realizadas por indivíduos cuja origem social é o de segmentos menos privilegiados. Inúmeros são os exemplos. Já quando as atividades que requerem nível técnico, serão contratados aqueles que tiveram a possibilidade de estudarem e se especializarem: auxiliares e técnicos, tanto de serviços quanto de operações industriais, etc.

Agora, quando se trata de atividades que requerem capacitação de nível superior, a desigualdade de oportunidade também está aí presente. Os que não puderam cursar uma faculdade dificilmente poderão ter acesso e oportunidades neste nível de trabalho. Sem contar com a discriminação quanto à qualidade do curso que a pessoa teve acesso. E o destino da pessoa vai ser frequentemente modulado por esta origem.

Toda essa gama de indivíduos será distribuída no interior das organizações, preponderantemente, segundo estes vários critérios, mas não só. Ou seja, a organização do trabalho é constituída de uma rede complexa (no sentido de Edgard Morin) de pessoas, nos seus diferentes níveis, exercendo distintas funções, dentro de uma estrutura hierárquica que busca colocar ordem no que pode vir a ser o caos da desordem da desigualdade.

Historicamente quando surgiu o fordismo, que se inspirou na linha de comando do exército, os mais capacitados têm sido promovidos e ganhando novos papéis. Aqui a desigualdade fala alto neste momento quanto aos critérios de promoção. A hierarquia veio por ordem nesta situação de desigualdade através da exigência de obediência.

Como pode-se observar, o problema da desigualdade é um enorme desafio. Principalmente quando pensamos na relação desigual com o outro. Para refletirmos esta espinhosa relação, vamos a seguir pensar este problema do ângulo da autoridade.


Sobre a Autoridade

Gadamer, um dos grandes hermeneutas do século XX, ao discorrer conceitualmente sobre o tema, afirma que “o fundamento último da autoridade reside em um ato de aceitação e de reconhecimento e não em um ato de submissão e de abdicação da razão”.

O que isto significa? Porque o cuidado de diferenciar a aceitação e reconhecimento de submissão e abdicação da razão?

Como o próprio Gadamer explicita, o outro é visto como autoridade quando reconhecemos em alguém que ele “nos é superior em julgamento e perspicácia, que seu julgamento está à frente do nosso, tem preeminência sobre o nosso”. Mas, alerta que este reconhecimento não é concedido, deve haver todo um trabalho de conquista por parte deste outro, ao mesmo tempo, isso passa pelo reconhecimento dos meus limites, ou seja, pelos limites da minha razão, da minha capacidade de julgamento e da minha perspicácia.

Nesse sentido, é bem distinta da submissão e obediência cega às ordens proferidas pelo outro. Ao não haver um exame consciente das próprias limitações, o risco é o de se submeter ao desejo do outro e alienar-me a este desejo que não é próprio. A submissão e a obediência cega significa que trata-se de um indivíduo que não se conhece e, no limite, teme a sua liberdade e a sua autonomia. Por isso delega ao outro a determinação do que fazer do que se autodeterminar.

Como podemos observar, trabalhar o conceito de autoridade traz enormes dificuldades, pois esta diz respeito a relações de desigualdade, questão complexa e sensível, como apontamos antes.

De um lado, temos um indivíduo que através de um exame honesto sobre si reconhece que o outro é mais dotado e que eu sou menos dotado em julgamento e perspicácia. Mas este reconhecimento, por ser aceitação, não é submissão. De outro lado, o indivíduo que abre mão de sua liberdade de se autodeterminar e se submete ao desejo do outro, o faz em troca da segurança e proteção que este outro promete. Nesse sentido, este outro toma o lugar de um sujeito autoritário, o lugar de meu senhor.

Quero aqui lembrar que desde Hegel compreendemos como ocorre a dialética do Senhor e Escravo. Dialética essa que permite entender desafio daquele que se submete e daquele que submete. O Senhor arrisca a Vida pela Liberdade e o Escravo arrisca a Liberdade pela Vida. Não é o escopo deste pequeno texto discorrer mais profundamente sobre esta dialética, mas, tão somente apontar que há na tradição da filosofia ocidental, profundas reflexões em relação a este fenômeno, tanto do ponto individual como social.

Outro autor importante é La Boétie que nos alerta sobre a servidão voluntária. Trata-se, segundo este autor, da perda do desejo de liberdade, uma vez que “os homens, enquanto neles houver de algo humano, só se deixam subjugar se forem forçados ou enganados”.

Ter consciência dos próprios limites e reconhecer a desigualdade que existe em relação ao outro, significa também uma reflexão contínua dos limites da autoridade do outro. Saber até onde eu aceito e não aceitar quando este outro põe em risco a minha liberdade e minha autonomia. Como defende Gadamer, jamais abrir mão da razão.

A PDT propõe uma discussão rica e interessante em relação ao mundo trabalho, pois lá trata-se de discutir se é possível abrir mão da hierarquia (que é uma estrutura de comando) e o exercício do poder para gerir pessoas, ou, a despeito da hierarquia gerir pessoas através do exercício da autoridade.

É importante ressaltar, nesse sentido, que no interior das organizações de trabalho, segundo a PDT, o sujeito que vai ser aceito como autoridade, não é qualquer um e não depende necessariamente do cargo que ocupa. Os desafios e os imprevistos que ocorrem cotidianamente no trabalho frequentemente podem levar a discussões acaloradas e pontos de vistas discordantes. O consenso pode parecer ser impossível. Deve-se levar em conta também que cada organização do trabalho tem suas particularidades, cada empresa tem seus desafios próprios de trabalho, e as soluções devem surgir de acordo com as suas especificidades.

E quando surge alguém com autoridade para arbitrar a questão e/ou o encaminhamento de uma solução, o consenso passa a ser uma grande possibilidade. A arbitragem vai permitir os envolvidos a escutarem as ponderações que podem resultar numa solução adequada. O espaço de livre circulação da palavra pode se transformar num espaço de deliberação. Logo, só aqueles que com larga experiência no trabalho, alguém que desenvolveu uma grande perspicácia em relação à atividade consegue conquistar o respeito de seus pares e subordinados e assim tornar-se autoridade perante os outros.

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