Por Laerte Sznelwar Em um mundo onde a individualidade no trabalho foi e é bastante propalada fica uma pergunta: Qual a relação que temos com os outros em nosso trabalho, na empresa ou instituição na qual trabalhamos, na nossa profissão?
Um dos grandes sucessos do neoliberalismo está relacionado ao fato de que o ideário que o embasa e aquilo que é proposto como modelo de organização do trabalho, toca fundo nos desejos dos sujeitos. Isto é, o de ser reconhecido, o de ter um lugar onde seu nome seja veiculado e vinculado ao sucesso. Todavia, este tipo de proposta deixa de lado algo fundamental para que se possa produzir com bons resultados, o fato de que ninguém trabalha sozinho e ninguém trabalha apenas para si. Mesmo que o esforço de cada um seja fundamental para qualquer empreendimento, nada ocorre se não houver o outro. Não é necessário reforçar o fato de que há cada vez mais sinais que demonstram a gravidade deste tipo de escolha organizacional. A quantidade de afastamentos do trabalho por diferentes motivos, sobretudo por distúrbios psíquicos é crescente, tanto na esfera privada como na esfera pública, onde a dita “nova gestão pública” (New Public Management) se implantou de modo progressivo utilizando as ferramentas de gestão baseada na concorrência de todos contra todos e, ainda de mais, a necessidade de estar sempre se sobrepujando, numa concorrência infindável de si consigo mesmo. A questão inicial deste texto nos remete às possibilidades do viver-junto do criar sistemas de produção onde a tônica principal seja a cooperação e a vontade de desenvolver ações que redundem na produção de algo que faça sentido e que possa ser compartilhado.
Não se trata de uma posição inocente onde bastaria propalar a cooperação para que esta aconteça e para que os ambientes de trabalho se tornem propiciadores de desenvolvimento pessoal e coletivo. Trata-se de escolhas organizacionais que podem favorecer o que há de melhor em nós (Dejours).
Pois como já dito, ao favorecermos o que há de individualizante e de concorrencial no trabalho, estamos favorecendo o que há de pior em nós. Estamos favorecendo o que desagrega, o que silencia, o que desvincula; aquilo que favorece o surgimento do sofrimento patogênico, das defesas, dos distúrbios e das doenças. Não esqueçamos a importância crescente de atos mais graves, como a violência contra os outros e contra si mesmo que emergem com mais frequência no mundo do trabalho e, não só! Então, favorecer o que há de melhor em nós significa favorecer algo inerente à psiquê humana, algo fundamental para a criação e o desenvolvimento de vínculos, o que nos liga. O humano existe, sobrevive, conseguiu de desenvolver e construir muita coisa interessante graças a algo que diz respeito ao outro, a empatia. A capacidade de enxergar o outro e; ainda mais, o reconhecimento de que o outro é parte de nós é uma propriedade fundamental para a vida. De que modo, consigo perceber e incorporar aquilo que emana do outro, sejam suas alegrias, sejam os seus sofrimentos. Como esses sentimentos nos afetam? No mundo do trabalho, a ideia de que a questão do outro se tornou algo ultrapassado, uma vez que o que importa é o sujeito, ainda mais o sujeito empreendedor de si mesmo, é muito prevalente. Como consequências, podemos constatar um distanciamento, uma falta de empatia com relação àquilo que se passa com o outro. Não é incomum um posicionamento defensivo do tipo, o que acontece com o outro não acontecerá comigo. Só este tipo de pensamento já mostra que o sujeito está afetado, que ele precisa se defender do sentimento que o sofrimento do outro lhe causa. Esta frieza, na realidade, é um distanciamento defensivo, uma vez que se estabelece como uma carapaça para que seja possível encarar a realidade. Aquilo que ocorre com o outro nos afeta sempre, porque também somos vulneráveis e a percepção deste fato mobiliza nossos medos. Em todo e qualquer trabalho esses afetos estão mobilizados; em toda e qualquer situação de produção e não apenas aquelas onde o cuidado com o outro, como nas profissões da saúde, é inerente à ação, o outro está presente. Os modos de organização do trabalho, tem uma influência significativa para propiciar o desenvolvimento daquilo que há de melhor em nós, como a empatia e a compaixão. Trata-se de algo não mensurável, não prescritível e que advém da própria incompletude do humano, da necessidade do outro para existir e para viver, portanto para bem trabalhar. Por outro lado, como já assinalado, os cenários podem ser propícios para o desenvolvimento daquilo que há de pior, como a inveja e o desprezo pelo outro. Neste caso estamos tratando de cenários desoladores, propícios para a emergência de sofrimento patogênico, para o distúrbio psíquico, para a doença. Sim, o outro sempre importa, até porque ele é parte de nós!
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