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Hierarquia e Obediência...


Historicamente, quando o paradigma da produção fordista se torna hegemônico, criou-se uma organização do trabalho altamente hierarquizada. O próprio Ford relata que pensou a sua empresa sobre três pilares. A primeira referência diz respeito às grandes corporações de sua época (sec. XIX), principalmente as férreas que implantaram uma complexa rede ferroviária nos EUA. Outra referência adotada foi a estrutura hierárquica do exército. Uma linha de comando claramente estabelecida e mantida de forma rígida. A obediência neste tipo de estrutura é essencial: deve-se seguir à risca o(s) seu(s) superior(es) e comandar os subordinados sob suas ordens. A desobediência era punida e dependendo de sua natureza, severamente punida. A terceira referência adotada na linha de produção foi o taylorismo e sua divisão de trabalho: o trabalhador operário era uma mera peça na grande engrenagem da produção. Seus gestos e movimentos eram determinados pela lógica da máquina.


Desde então outras empresas e corporações vão adotar este paradigma e vai ser impensável neste período histórico uma empresa sem esta hierarquia e linha de comando.

Com a grave crise dos anos 70 e 80, há uma mudança profunda nas organizações do trabalho para atender ao que David Harvey chama de nova forma de acumulação do capital. Passamos do capital produtivo para o capital financeiro. Este novo capital exige uma nova estrutura organizacional, ou seja, empresas enxutas e ágeis. Isto significa, segundo este autor, que as organizações do trabalho passam a ser regidas pela lógica da flexibilização. A década de 80 e 90 vai ser um período de grandes reestruturações e uma das características centrais é o enxugamento dos níveis hierárquicos. Muitas delas que antes tinham 35 degraus hierárquicos, em geral, passam para 8 a 10 degraus.

Se antes não havia dúvidas quanto à obediência à hierarquia, com a flexibilização, surge também a necessidade de se criar novas formas de comando. Neste contexto, surgem vários textos sobre liderança. Na década de 90 um autor chegou a catalogar mais de seis mil artigos, textos e livros sobre este tema neste período. Para disseminar estes novos conceitos, muitos autores escreveram e defenderam que as empresas deveriam buscar este novo perfil e mostrar a diferença entre gerente e líder. Gerência passa a ser algo ultrapassado.

A década de 90 passa a exigir principalmente dos executivos um contínuo processo de desenvolvimento e de aperfeiçoamento. Com a lógica da flexibilização veio também o risco da obsolescência das pessoas e empresas. O executivo para não se tornar obsoleto deve se aprimorar continuamente. Não foi à toa que assistiu-se a um enorme boom de MBAs, cursos de aperfeiçoamento, pós graduação latu sensu nas mais variadas formas para atender esta nova demanda.

Um dos grandes desafios passou a ser como comandar pessoas que do ponto de vista hierárquico as pessoas são seus subordinados, mas do ponto de vista da formação e capacitação são muitas vezes superiores? São melhores preparados e dada a estrutura enxuta de poucos degraus hierárquicos não há mais espaço de ascensão para todos.

Esta situação trouxe enormes problemas para os gestores e gestão de pessoas. Uma das saídas pensadas foi buscar desenvolver uma capacidade para exercitar uma gestão estratégica de pessoas através do exercício de liderança e de não se impor pelo poder do cargo. Mas, dado o despreparo de muitos gestores, eles simplesmente recorriam ao uso do poder. Se valiam da hierarquia que não deixou de existir para impor autoritariamente ordens que deviam ser cumpridas.

… e os desafios das relações verticais no mundo contemporâneo

Nos tempos atuais, apesar das intensas transformações implementadas no mundo do trabalho e nas instituições, como podemos observar, segundo a Psicodinâmica do Trabalho (PDT), o conceito de liderança não deu conta da contradição entre obediência e cooperação.

Com as reestruturações muitas vezes violentas e profundas que muitas empresas fizeram e sobreviveram, pois muitas sucumbiram e desapareceram, a gestão de pessoas passou a ser nos dias atuais um grande desafio. Trata-se de um problema ainda não devidamente enfrentado, pois, por ser um fenômeno multifacetado e multideterminado, isto requer novos instrumentos conceituais para compreender as novas determinações que surgiram.

Ou seja, requer o exercício do pensamento complexo, como defende Edgard Morin em seu livro Introdução ao Pensamento Complexo. Um novo olhar que concebe a realidade como “um tecido de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados”. E entende também que “a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acaso que constituem nosso mundo fenomênico”.

Quando se vale da hierarquia, como dissemos anteriormente, basta o exercício de comando e poder. Mas, com as mudanças ocorridas mais a introdução das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) a realidade organizacional trouxe o desafio da complexidade.

E com a recente pandemia, o trabalho a distância, evitamento de contato e isolamento social, novos problemas surgiram para a hierarquia. Com o desenvolvimento das vacinas, segundo a PDT, a nova realidade/normalidade passou a se impor. Por exemplo, o dilema do trabalho a distância e/ou trabalho presencial. O teletrabalho veio para ficar. Que impacto este problema traz para a hierarquia? Para as relações verticais e horizontais?

Dado o fato de que a hierarquia nas organizações do trabalho continuou a existir, a estrutura de poder também se mantém. E o que está na base desta estrutura é que se reconhece a existência da desigualdade individual e social. As pessoas e os coletivos são diferentes e desiguais. Tema sensível e delicado, mas que deve ser enfrentado.

Nesta estrutura de poder, como dito anteriormente, sempre haverá o risco do exercício deste de forma simples e pura. De um lado, o de estabelecer uma relação autoritária com os subordinados e, de outro, a exigência de submissão às ordens proferidas. No limite, uma exigência de uma obediência cega, sem questionamento.

Como consequência deste tipo de contexto, vamos encontrar frequentemente indivíduos alienados de si e à mercê dos desmandos autoritários do superior hierárquico. Isto gera sofrimento e, segundo a PDT, um sofrimento que pode se tornar patogênico, ou seja, um sofrimento insuportável que gera uma série de descompensações psíquicas e, no limite, pode levar alguém ao suicídio no trabalho.


A PDT propõe o conceito de autoridade desenvolvido por Gadamer. Conceito que permite repensar a hierarquia sob um novo modo. Atualmente usa-se muito, como dito anteriormente, o conceito de liderança, mas falta uma discussão mais profunda a respeito dos ditos liderados. Pensa-se na maioria dos casos somente nos atributos do líder, mas quase nunca na relação com os liderados e, ao mesmo tempo, nos atributos dos liderados. Nós da PDT defendemos que só iremos entender esta relação de grande complexidade se, de um lado, através de sua autoridade o gestor/líder desenvolve um trabalho de arbitragem nos momentos principalmente de conflitos ou de grandes decisões que envolve o coletivo. Por outro lado, isto requer que os liderados reconheçam que este é superior no julgamento e na perspicácia na análise das situações difíceis e complexas. Trata-se de aceitação e reconhecimento e não de submissão, de submissão voluntária e/ou obediência cega. A submissão pode levar o indivíduo à alienação de si. Na aceitação e reconhecimento da autoridade do gestor/líder trabalha-se sob a orientação dele sem abrir mão da autodeterminação e do uso da razão.


Através da teoria da complexidade entendemos que líder e liderado se constituem ao mesmo tempo, no mesmo movimento. É fruto de um tecido de “constituintes heterogêneos inseparavelmente associados”. Nesse sentido, os autores que têm tratado líder e liderado separadamente reduz e simplifica uma realidade complexa.


Enfim, aqueles que não desenvolvem a capacidade e atributos para serem reconhecidos como autoridade, não vão ter a possibilidade de através da arbitragem aliar o seu lugar de chefe e possivelmente de líder, e com isto superar a contradição entre obediência e cooperação.
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