Por Laerte Idal Sznelwar

Ao tratar de um tema tão significativo da história, é importante situarmos este dia em um contexto de luto e de lutas por melhorias na vida de todos aqueles que trabalham, seja de modo formal e reconhecido ou ainda, na informalidade e na precariedade. Este dia, instituído após greves, repressões e mortes de trabalhadores que houve nos Estados Unidos, onde trabalhadores foram condenados à morte sem provas, é comemorado em muitos lugares do mundo.
Importa frisar que, o movimento que se iniciou nos EUA tinha como objetivo melhorar as condições de trabalho, sobretudo porque as longas, extenuantes e perigosas jornadas de trabalho causavam doenças, mutilações e morte.
Ao final da década de 1880 as movimentações para mudar os cenários de produção, sobretudo industrial, e reivindicar melhorias nas condições de trabalho se espalharam pelo mundo e a data simbólica do Primeiro de Maio foi instituída. Em muitos países é uma data marcada como feriado nacional e por manifestações as mais variadas relacionadas ao tema.
No Brasil, trata-se de um feriado desde 1925, data que também serviu para a publicação da CLT e para os aumentos do salário-mínimo.
Muitas mudanças houveram ao longo do século XX, não apenas com a inclusão, em muitos países, de jornadas de trabalho de oito horas, mas também por melhorias significativas nas condições de trabalho, incluindo maiores preocupações com a saúde e a segurança. Como nada é linear na história, se houveram melhorias significativas, houveram também muitas perdas no que diz respeito a direitos e mesmo no que tange às condições de trabalho.
Um dos motes principais dos movimentos dos trabalhadores, muitas vezes, está centrado na garantia do emprego e do poder de compra dos salários. Também há preocupações com a questão da saúde e da segurança, mas como houve muitos abalos nas relações de trabalho, nas últimas décadas, garantir condições de sobrevivência, se tornou um objetivo fundamental para muitos.
Os processos de financeirização da produção e da instituição de processos de gestão conhecidos como gerencialismo mais presentes desde a década de 1980 tem muito a ver com processos de desregulamentação e, mesmo, de tentativas de reduzir a importância e o protagonismo do trabalho nos sistemas de produção. A isto podemos somar as tentativas crescentes de automação e informatização sem se considerar as contribuições do trabalho para que se garanta a confiabilidade e a qualidade na produção em qualquer ramo da atividade econômica.
Por outro lado, as propostas visando mudanças profundas nesses cenários tem crescido significativamente.
Isso diz respeito às contribuições das ciências do trabalho, em especial, às propostas da Psicodinâmica do Trabalho e da Ergonomia, ainda mais, quando visam o desenvolvimento de processos de emancipação e de enriquecimento, enfim da construção da saúde. Aliados à contribuição de profissionais que atuam nesses campos do conhecimento, incluindo aqueles que fazem pesquisas e buscam novas regulamentações nas relações de trabalho há, cada vez mais, atores sociais sensibilizados para o fato de que trabalhar é central na vida dos sujeitos e, consequentemente para as organizações e, para o desenvolvimento da sociedade e da cultura, de um modo mais amplo. Dentre esses atores, incluem-se sindicalistas e empresários.
Portanto não se trata de algo que segue um curso linear na história, um curso de desenvolvimento que sempre aponta para algo melhor. Mudar a perspectiva do trabalhar, saindo de uma visão restrita à de ocupação e, mesmo de emprego não é uma evolução predefinida. A perspectiva da emancipação é uma construção que depende, sobretudo, da compreensão que o trabalhar deve ser calcado em processos permanentes de profissionalização, de desenvolvimento de atividades interessantes e desafiadoras, de crescimento pessoal e coletivo. Isto é um posicionamento radicalmente contrário à perspectiva de uso da “força de trabalho” e de “coisificação” daqueles que trabalham.
Incluir o trabalhar em uma perspectiva emancipatória significa processos sociais de responsabilidade dos mais diferentes atores sociais onde se busque desenvolver a produção e o trabalho a partir de processos cada vez mais cooperativos e que busquem, inclusive, novos critérios de criação de valores, sobretudo os valores imateriais relacionados a todos os tipos de produção.
Não se produz valor apenas no que diz respeito à mercadorias e serviços, valor que é, muitas vezes, medido e precificado considerando-se uma certa visão do esforço despendido e à possibilidade de compra.
Há muito mais no mundo do trabalho que precisa ser considerado para que se favoreça o desenvolvimento dos sujeitos e dos coletivos. Questões ligadas à confiança, ao desenvolvimento das competências, à possibilidade de viver-junto, de cooperar, do desenvolvimento do cuidar e da compaixão, da capacidade de dialogar e de resolver conflitos, entre outros, são parte fundamental das relações entre nós e agregam valor a qualquer sistema de produção.
Trata-se de uma perspectiva de desenvolvimento das profissões, não importando em qual setor da economia e como foram desvalorizadas as profissões nas últimas décadas. Talvez tenhamos que pensar em algo diferente. Como houve um certo descolamento do capital da produção em si, talvez seja o momento de se buscar novas relações onde o trabalho não esteja tão atrelado ao capital, que se consolidem garantias sociais para que as pessoas continuem a se desenvolver e a terem condições decentes de vida, mesmo quando não haja uma relação direta de assalariamento e de pagamento por serviços prestados. Isto requer um esforço significativo de todos.
O Dia do Trabalho, do trabalhador e do trabalhar pode ser marcado por uma dimensão outra que se agregaria à necessidade de se ter salários dignos, condições de trabalho adequadas, de trabalhos decentes, segurança contra acidentes e doenças, garantias sociais de sobrevivência e seguridade social, entre outras. Construir a produção baseada na ideia da centralidade das profissões, de que a saúde é uma construção ao longo de toda a vida, é um grande desafio.
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