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Trabalho e Identidade



O trabalho é uma atividade central na vida das pessoas, atuando como um dos principais pilares na construção da identidade individual e coletiva. Ele não é apenas uma fonte de sustento econômico, mas também um espaço onde o sujeito busca realização pessoal, reconhecimento social e expressão de sua subjetividade. Através do trabalho, os indivíduos encontram formas de se conectar com a sociedade, de exercer sua criatividade, e de estabelecer um senso de propósito e pertencimento.

No entanto, a complexa relação entre trabalho e identidade é permeada por desafios. A natureza do trabalho, as condições em que ele é realizado, e o valor atribuído a ele pela sociedade podem impactar profundamente a forma como os indivíduos percebem a si mesmos e são percebidos pelos outros. Além disso, em um mundo em constante mudança, onde as dinâmicas de trabalho se transformam rapidamente, a identidade profissional e pessoal se vêem frequentemente em processo de adaptação e redefinição.

Este artigo explora como o trabalho influencia a identidade e como, em contrapartida, a identidade molda a forma como o trabalho é vivido e experimentado. A partir de uma análise das dimensões econômica, social e subjetiva do trabalho, busca-se compreender as implicações dessa inter-relação na vida das pessoas trabalhadoras, destacando a importância do reconhecimento e avaliação justa como elementos para o bem-estar e para a consolidação de uma identidade saudável.


A Evolução da Identidade no Trabalho

Somos todos sujeitos de nossas vidas, responsáveis pela construção de nossa identidade e em busca constante por reconhecimento e crescimento. Embora essa afirmação pareça simples e incontestável, ao observarmos a organização do trabalho, principalmente sob a ótica das teorias de Taylor e Ford, percebe-se que a realidade não é tão evidente assim. A reificação, ou coisificação dos sujeitos, é um processo amplamente presente nestas teorias e merece uma análise aprofundada.

No século XX, os modelos científicos e industriais dominantes reduziram seres humanos a estatísticas e comportamentos padronizados, analogias de peças em uma grande engrenagem. Essa desumanização, que ainda persiste, eliminou a noção de sujeito, substituindo-a pela ideia de massa moldável pelo ambiente.

A partir dos anos 1980, com a evolução da indústria e da economia baseada em serviços, houve um reconhecimento da inteligência das pessoas, especialmente nas tarefas consideradas simples. O trabalho passou a ser enriquecido, concedendo certa autonomia às equipes, incorporando não apenas o corpo, mas também a inteligência e a criatividade nas concepções e gestões das tarefas. Entretanto, a subjetividade da pessoa trabalhadora foi incorporada de modo a reforçar o individualismo, um fenômeno que se intensificou com a avaliação individual do desempenho.


O Sujeito e o Inconsciente

Definir o que é um sujeito é uma tarefa complexa, e envolve muitos debates. Segundo a antropologia psicanalítica, a formação do "eu" é um conjunto de vivências, desejos, medos e ambiguidades que formam a singularidade de cada pessoa. Desde a infância, o sujeito se constitui na diferenciação e dependência do outro, sendo uno e múltiplo ao mesmo tempo.

A partir da obra psicanalítica de Freud, compreende-se que não somos completamente senhores de nós mesmos. A consciência abarca apenas uma parte de nosso ser, e o inconsciente, com seus mecanismos de defesa, desempenha um papel crucial em nossa psique. A sexualidade, sempre controversa, é outro elemento central que Freud destaca, atravessando nosso corpo desde o início da vida e influenciando profundamente a constituição do sujeito.

Para Christophe Dejours, a não consideração da teoria psicanalítica do sujeito, especialmente no contexto do trabalho, pode levar a consequências psicológicas trágicas. Quando o modelo humano proposto pela organização do trabalho ignora o inconsciente, o sujeito é frequentemente violentado, com sérias repercussões para sua saúde mental.


Trabalho, Identidade e Saúde Mental

A identidade é uma construção frágil, constantemente em processo de reforço e reconstrução e o trabalho desempenha um papel fundamental nesse processo, influenciando diretamente a sensação de continuidade do "eu". A identidade, que funciona como uma armadura que nos protege, necessita de confirmação constante para preservar nossa saúde mental.

Segundo a Psicodinâmica do Trabalho (PDT), a identidade é singular, resultado de um trabalho contínuo de unificação psíquica que mantém a estabilidade e coerência do "eu". Essa identidade, no entanto, precisa ser incessantemente reafirmada, principalmente pelo olhar do outro. Quando esse olhar é retirado, ou nunca existiu, surgem dificuldades na construção da unidade psíquica, que podem resultar em adoecimento mental.

Os processos relacionais, especialmente no ambiente de trabalho, nos confrontam com a questão da justiça e da injustiça de como somos avaliados pelos outros. O sentimento de injustiça pode penetrar essa armadura, abrindo caminho para o sofrimento patogênico e, eventualmente, para o adoecimento do sujeito. A falta de critérios justos de avaliação, a invisibilidade do trabalho realizado, e a ausência de reconhecimento são fatores que podem desestabilizar a identidade da pessoa trabalhadora.


Sublimação e a Construção da Identidade

No contexto do trabalho, é importante também entender o papel da sublimação na construção da identidade da pessoa trabalhadora. A sublimação, conforme proposta por Freud, refere-se ao processo de canalização de impulsos e desejos instintivos em atividades socialmente aceitas, como o trabalho. Esse mecanismo é crucial para que o indivíduo possa expressar seus desejos inconscientes de maneira produtiva e criativa, transformando potencialmente impulsos destrutivos em ações construtivas.

No ambiente de trabalho, a sublimação se manifesta quando a pessoa trabalhadora encontra no exercício de suas funções uma forma de expressar aspectos profundos de sua psique, como emoções, desejos e valores. Isso permite que o trabalho seja não apenas uma atividade econômica, mas também um meio de autorrealização e expressão da individualidade. Assim, a sublimação contribui para a formação de uma identidade que é ao mesmo tempo adaptada às exigências sociais e fiel às necessidades internas do sujeito.

Ao mesmo tempo, o processo de sublimação coloca em evidência a tensão entre a adaptação às normas sociais e a busca por autenticidade. O desafio moderno para a pessoa trabalhadora é encontrar um equilíbrio entre essas forças, garantindo que sua identidade seja construída de maneira que respeite tanto suas necessidades internas quanto às demandas externas. O trabalho, portanto, assume uma dimensão subjetiva complexa, onde a identidade é constantemente negociada e redefinida.


O Trabalho e o Desafio da Identidade

Somos parte de uma coletividade que tem suas demandas e o desafio é equilibrar essa tensão entre o individual e o coletivo. A identidade é fortalecida quando o trabalho é visível, avaliado com critérios justos e realizado em consonância com os desejos, necessidades internas e sonhos individuais.

A Psicodinâmica do Trabalho alerta que, em muitas situações em que todas essas demandas não são consideradas, o sujeito é derrotado e acaba enfrentando crises em sua identidade. Por outro lado, contextos favoráveis ao prazer e à sublimação podem ser muito benéficos ao reforço da identidade e, consequentemente, à saúde mental.

O trabalho, portanto, não é apenas um meio de sustento, mas um dos grandes alicerces da constituição do sujeito e de sua rede de significados. Ele está intimamente ligado à constituição da identidade e da subjetividade, e o reconhecimento do que é feito é fundamental para promover a saúde mental.


Conclusão

A relação entre trabalho e identidade é profunda e multifacetada, permeando todas as dimensões da vida do ser humano. O trabalho não apenas molda a identidade, mas também é moldado por ela, em um processo contínuo de construção e reconstrução. No ambiente de trabalho, o reconhecimento emerge como um pilar essencial para a manutenção da saúde mental e para a consolidação de uma identidade coesa e valorizada.

No entanto, quando o trabalho é desvalorizado, invisibilizado ou sujeito a critérios de avaliação injustos, a identidade da pessoa trabalhadora é posta em risco. O sentimento de injustiça e a falta de reconhecimento podem desencadear processos que podem comprometer não apenas o desempenho profissional, mas também a integridade psíquica do indivíduo.

Portanto, para que o trabalho seja uma fonte de realização pessoal e profissional, é imperativo que as organizações reconheçam a singularidade de cada pessoa, valorizem o esforço e a criatividade empregados nas tarefas, e criem ambientes onde o trabalho realizado seja visível, justo e alinhado com os valores e aspirações de cada um e, somente assim, o trabalho poderá cumprir seu papel essencial na formação e no fortalecimento da identidade, contribuindo para uma vida mais plena e significativa.

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